quarta-feira, 26 de outubro de 2011

A sentença que condenou a Unilever Brasil a pagar R$ 500 mil de indenização

A Ação Coletiva, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO em desfavor da UNILEVER BRASIL LTDA, iniciada após um Inquérito Civil ter apurado a existência de vício de informação no rótulo do produto sorvete Cornetto Chococo, da marca Kibon. Em síntese, o produto colocado no mercado, embora contivesse no rótulo a expressão “NÃO CONTÉM GLÚTEN”, continha a substância. Assim, foi promovida uma vez que o consumidor possui direito à informação e à reparação e não devem acarretar riscos à saúde ou à segurança. Aqui retirei passagens brilhantes da sentença proferida pelo M.M Juiz João Ricardo dos Santos Costa da 16ª Vara Cível de Porto Alegre, muito importante para comunidade Celíaca de todo país.

Do dever de informar e a vulnerabilidade do consumidor:

A Constituição Federal refere-se ao consumidor entre os direitos e garantias fundamentais, em seu art. 5º, XXXI; bem como, entre os princípios gerais da atividade econômica, em seu art.170, V. Igualmente, nas Disposições Constitucionais Transitórias, em seu art. 48. Assim, sempre que se faz referência ao consumidor, a Constituição Federal determina a sua defesa, ou seja, reconhece necessidade de sua proteção especial, porque reconhece a sua vulnerabilidade dentro da relação de consumo. No que concerne à  informação sobre produtos e serviços explica José Geraldo Brito Filomeno:
                                                
“Em verdade aqui se trata de um detalhamento do inciso III do art. 6º ora comentado, pois que se fala expressamente de especificações corretas de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem, obrigação específica dos fornecedores de produtos e serviços. Trata-se, repita-se, do dever de informar bem o público consumidor sobre todas as características importantes de produtos e serviços, para que aquele possa adquirir produtos, ou contratar serviços, sabendo exatamente o que poderá esperar deles”.

Este direito básico decorre do princípio da transparência que deve nortear todas as relações de consumo, como a presente, e cujo conteúdo é bem explicitado pela professora Cláudia Lima Marques, dizendo que:“A idéia central é possibilitar uma aproximação e uma relação contratual mais sincera e menos danosa entre consumidor e fornecedor. Transparência significa informação clara e correta sobre o produto a ser vendido, sobre o contrato a ser firmado, significa lealdade e respeito nas relações entre fornecedor e consumidor, mesmo na fase pré-contratual, isto é, na fase negocial dos contratos de consumo”.

De modo que esta nova transparência rege o momento pré-contratual, rege a eventual conclusão do contrato, o próprio contrato e o momento pós-contratual. É mais do que um simples elemento formal, afeta a essência do negócio, pois a informação repassada ou requerida integra o conteúdo do contrato.Por sua vez, o art. 31 do Código de Defesa do Consumidor, ao regular o dever de informar o consumidor, dispõe que: “a oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores".

O interesse coletivo:

A verdade é que há interesses e direitos que não pertencem nem ao indivíduo e nem ao Estado, mas cuja existência é inegável. Situam-se eles, na realidade, entre ambos, pertencendo a grupos, classes, categorias de indivíduos, enfim a grupos ou formações intermediárias, os quais, ante algumas liberdades fundamentais que são outorgadas pela própria Constituição, julgam-se com direito à tutela jurisdicional.

Novos direitos e novos deveres aparecem, os quais, sem ser públicos no sentido tradicional da palavra, são, todavia, coletivos. Pertencem eles, ao mesmo tempo, a todos e a ninguém. Com efeito, tendo-se em conta que pertencem a grupos, classes ou categorias de pessoas, deles ninguém é titular exclusivo, mas, ao mesmo tempo, todos os membros daqueles são seus titulares.

Os interesses coletivos são metaindividuais, ou superindividuais, por serem comuns a uma coletividade de pessoas determinada de acordo com o vínculo jurídico definido que adistingue. Para Rodolfo de Camargo Mancuso, são os seguintes os requisitos para o interesse ser considerado coletivo: a) um mínimo de organização, a fim de que os interesses ganhem a coesão e a identificação necessárias; b) a afetação desses interesses a grupos determinados (ou ao menos determináveis), que serão os seus portadores (enti esponenziali);  c)  um vínculo jurídico básico, comum a todos os participantes, conferindo-lhes situação jurídica diferenciada.

Na lição de Kazuo Watanabe,essa relação jurídica-base é a preexistente à lesão ou ameaça 
de lesão do interesse ou direito do grupo, categoria ou classe de pessoas. Não a relação jurídica nascida da própria lesão ou da ameaça de lesão. Os interesses ou direitos dos contribuintes, por exemplo, do imposto de renda, constituem um bom exemplo. Entre o fisco e os contribuintes já existe uma relação jurídica-base, de modo que, à adoção de alguma medida ilegal ou abusiva, será perfeitamente factível a determinação das pessoas atingidas 
pela medida. Não se pode confundir essa relação jurídica-base preexistente com a relação jurídica originária de lesão ou ameaça de lesão”.

Os interesses ou direitos coletivos, organizados ou não, se são de natureza indivisível, passam a apresentar unidade, independentemente da reunião de seus titulares numa entidade representativa, tornando possível sua tutela em uma única ação
.
inclusive o Superior Tribunal de Justiça fixou as características e as distinções em relação aos interesses coletivos, ao decidir uma ação civil pública (STJ, Resp. Nº 49.272-6, RS, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, j. 21-9-94).

O objeto do interesse difuso é um bem da vida de natureza difusa, de formação fluida no seio da comunidade, referindo-se a sua totalidade. Daí o caráter super ou metaindividual dos interesses difusos, portanto, seus titulares são indetermináveis, ainda que no caso concreto um de seus sujeitos ou determinada entidade possa exercitá-los, ou exigi-los judicialmente. Tal fato se dá em razão da legitimidade de agir, da faculdade processual ou instrumental para a proteção dos interesses, o que não altera a essência do interesse, que é difusa, por se referir a toda a coletividade indistintamente

No caso em exame o Ministério Público, não substitui tão-somente os portadores da doença celíaca, mas a coletividade como um todo, e o pedido merece ter a abrangência, pois se trata de fazer imperar o dever de informação ao consumidor. Esses dados possuem superlativa importância, pois determinam a abrangência da demanda.

Responsabilidade civil pelos danos patrimoniais e extrapatrimoniais, individuais e coletivos:
No caso em exame, a investigação promovida pelo Ministério Público apontou o sorvete “Cornetto Chococo”, fabricado e comercializado pela ré, continha informação equivocada em seu rótulo, pois destacava a inexistência de glúten quando trazia tal substância em sua composição. Além das provas apresentadas pelo  Parquet, a própria demandada reconhece o infausto evento, que teve razoável repercussão na mídia escrita.

A doença celíaca consiste na intolerância permanente ao glúten, que, por sua vez, é a principal proteína do trigo, cevada, cereais, malte etc. Ao contrário do que sustenta a demandada, ao invés de uma simples diarreia, a ingestão de glúten pode causar a evolução para um caso grave, com probabilidade de morte, conforme referiu o gastroenterologista Jayme Murahovschi em entrevista ao jornal Folha de São Paulo (fl. 54, 24.10.2007, documento juntado pela própria 
requerida).

A partir disso, é necessário frisar que a conduta da ré possuiu vários desdobramentos. Iniciou no desrespeito ao dever de informação (art. 6º, III, do Código de Defesa do Consumidor), colocou em risco a saúde e a integridade física dos consumidores portadores de doença celíaca (art. 8º do referido diploma legal) e concorreu decisivamente para que fossem causados dano moral coletivo e potencial dano patrimonial e extrapatrimonial individual. 

Enquanto que a testemunha Carolina Job Junqueira dos Santostrouxe informações acerca da comercialização do produto, da existência de danos à saúde para pelo menos dois consumidores e dos riscos que a ingestão de glúten pode causar aos celíacos (fls. 135/140), os informantes  Betânia Bordoni Gattai e Márcio Sérgio Gomes de Almeida, funcionários da ré, procuraram minimizar a extensão do ocorrido, lembrando que o produto foi rapidamente retirado das prateleiras.

Ocorre, todavia, que não se está a questionar as diligências empreendidas pela fabricante tão logo o problema foi descoberto. Esta conduta, embora sirva para atenuar a extensão dos danos, foi insuficiente para evitá-los, pois o direito de informação e de segurança restaram violados. Além disso, perde credibilidade os depoimentos prestados pelos funcionários da demandada, uma vez que um dos recortes de jornais trazidos pela própria ré informam que a UNILEVER BRASIL LTDA  não sabia informar quantos sorvetes foram comercializados com o 
defeito de informação(fl. 54), impedindo, assim, o exitoso recolhimento do produto. A responsabilidade civil, por se tratar de relação de consumo, deve ser analisada sob o viés objetivo, ou seja, para a configuração do dever de indenizar,  basta a presença do dano (a partir de uma conduta omissiva ou comissiva) e do nexo de causalidade, sem que haja a ocorrência, por exemplo, de alguma excludente.

Nada impede, porém, que o consumidor que se sentiu moralmente lesado ajuíze a competente ação indenizatória. A partir deste provimento jurisdicional, o consumidor que sofreu prejuízo patrimonial não precisará rediscutir o mérito, mas tão somente comprovar que as despesas que suportou decorreram do ilícito da ré. Assim, considerada a conduta da requerida, tem-se a presença dos pressupostos caracterizadores da responsabilidade civil e, por consequência, do dever de indenizar. O dano  – comercialização do produto com defeito de informação e os prejuízos daí advindos – restou claramente comprovado.

“Em conseqüência, é perfeitamente possível que o ordenamento jurídico, protegendo um interesse público deduzível de seus princípios, imponha, à sua violação, uma sanção de natureza não-penal. Em outros termos, o ordenamento jurídico pode tutelar diretamente o interesse público com outras formas de sanções, como a sanção peculiar do direito privado: o ressarcimento ou a reintegração específica. E não há necessidade de existir norma específica determinando a reparação, mas basta que o interesse esteja protegido pelo sistema normativo, que compreende não só a norma mas também os princípios gerais”.

“No dano moral coletivo, da mesma forma que o dano moral de natureza individual, a responsabilidade do ofensor, em regra, independe da configuração da culpa, decorrendo, pois, do próprio fato da violação , ou seja: revela-se com o  dammum in re ipsa. É isso expressão do desenvolvimento da teoria da responsabilidade objetiva, em compasso 
com a evolução da vida de relações, verificada na sociedade atual”. Por todo o exposto, forçoso reconhecer que a conduta da ré acarretou dano moral coletivo, pois expôs a sociedade.

É importante termos presente que o efeito erga omnes da coisa julgada é vital para a plena introdução, no nosso País, da via coletiva de enfrentamento dos conflitos sociais de massa. Essa constatação é relevante para entendermos que não se pode restringir os efeitos de uma decisão judicial que venha a garantir direitos indivisíveis sem ferir o pacto constitucional.Tenho, desta forma, que deverá ser a indivisibilidade do dano o critério determinante  para definir o alcance da decisão, critério este que norteará também a amplitude territorial da sentença, e, como dito, não pela regra da competência motivada pela divisão do trabalho do Poder Judiciário no território nacional.



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